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sábado, 15 de janeiro de 2011

Papéis Molhados

Minhas lágrimas destilam o meu sofrer,
elas afogam as minhas angústias,
limpam as nódoas do seu adeus,
elas distorcem os desamores e as decepções.
Minhas lágrimas ainda preenchem
as ranhuras das minhas profundas dores.

Já minhas palavras substituem as lágrimas!
Escrevo os sonhos desfeitos,
escrevo sobre o mundo sem valores,
ponho no papel os seus e meus defeitos
e escrevo dos meus amores em bolores.
Ai, como escrevo densas gotas de tudo!

Rafael Paixão
Poema Registrado

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Insensatez

Silêncio em contradição ao desejo...
Chamam de transgressão nosso gozo
e nossos corpos tremem. Ignoram.

Prazer verdadeiro e sentimento vazio!
Olhares em mim desaprovam.
Pensamentos distantes. São meus!

Os ombros caídos são de uma puta,
enquanto os meus olhos vão sendo salgados
em uma insana busca. Cansados...

Pesaroso o prazer jaz a dormir.
Entra no quarto a solidão.
Ouve meu ode ao nada! Saudade.

Rafael Paixão
Poema Registrado

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O nome da Rosa

Os anos eram a década de 90... Éramos ecléticos em nossos gostos musicais: Legião Urbana, Guns'n'Roses, Rosana, que explodia em sucesso com a canção "Como uma deusa"... Tínhamos ainda Luan e Vanessa com a canção "Quatro semanas de amor" que ficou 26 semanas nas paradas do sucesso!

Foi muito legal descobrir que eu tinha hormônios! Muito embora para a minha família, católica e residente em Aparecida, eu não tinha hormônios, mas sim demônios! Enfim, é entorpecedor. Tudo tem conexão com sexo.

Com 14 anos, qualquer olhar é desejo e um perfume barato cheira a paixão da Champs-Élysées... Trocando em miúdos eu queria transar com todas as mulheres que se aproximavam de mim e não tinham comigo primeiro grau de parentesco. Porém, cheio de platonismo, eu coloria meus instintos abrasivos com os tons pastéis do tal sentimentalismo e emoldurei meus desejos com uma coisa engraçada chamada amor.

Sepultei meus instintos em sepulcros caiados, a mando dos meus superiores, e quem ousava mostrá-los era considerado profano, pornográfico, sujo, imoral, maligno e até "apócrifo"...

Foi assim que transformaram o meu tesão em amor. E eu amava uma garota chamada Rosa. Mas não a amava por qualquer motivo, a amava por que no processo de transformação alquimista tesão-amor criei uma musa fictícia: pele branca como neve, inteligência superior, uma casinha de sapé, cartas enviadas por um beija-flor, tudo regado a ondas do mar que não apagavam nossos nomes na areia... Ela era "Como uma deusa"!!!

Ela me provocava priapismo crônico. Ela era a razão da minha respiração, do meu coração bater e é claro que ele tinha que por o sangue a correr!!! Haviam situações vergonhosas, situações essas que omitirei.

Desesperado fui consultar meu confessor, um padre redentorista que trabalhava no Santuário Nacional, famoso por ser um grande conselheiro. Ele me ouviu de olhos fechados. Enfim, me receitou a disciplina monástica de São Bento: orat et laborat. Reza e trabalha. Cumpri a risca... Do meu jeito... Trabalhei como um baiano e rezei como um boêmio. É claro que de nada adiantou. Rosa continuava a me provocar delírios de orgia. E o pior é que Rosa não estava nem aí pra mim... De verdade!!! Sentia-se confortável na sua condição de musa e adorava me provocar... Sabia que me fazia arder!

Sentava ao meu lado na sala de aula, sempre reclamava do calor só para abrir a blusa... Dois botões... O suficiente para me deixar louco com a sublime visão de seu sutiã meia-taça. Mas quando eu tentava alguma investida ela ficava mais indiferente que as minhas amigas das revistas masculinas! Nem se movia!

E assim foi durante os longos anos em que estudamos juntos... Não sei se pós amor foram quatro ou cinco... Até que ela sumiu. Não nos formamos juntos, trocamos de sala, mas antes disso tive que vê-la desfilando pelos pátios em companhia de outros caras... Quase morri, mas a vida tinha que seguir adiante...

Abandonei o platonismo e me dediquei ao materialismo: fiquei, namorei, escrevi cartas de amor, declamei Vinícius de Moraes debaixo da lua cheia, cantei Legião Urbana (Vento no Litoral - o tema de Rafael e Rosa) para umas e toquei Somewhere in Time (música preferida dela, ao piano) para outras, enfim, encontrei novas paixões e fui as vias de fato com todas, mas continuo sozinho, talvez procurando aquela musa que não existe mais... Sequer existiu um dia!

Porém, Rosa permanecia dentro de mim como uma espécie de trauma infanto-juvenil que não poucas vezes provocou o prazer dos analistas e a excitação das cartomantes. Quantos foram os onde, como, quando, porque...

Rosa transformou-se num mito pessoal contraditório. Ora aparecia como a virgem imaculada, a mulher ideal que me faria feliz para sempre, ora surgia como a pomba gira sacana que preferiu vários filhos da puta às minhas investidas românticas.

Até hoje ela tem uma música. Sonata ao Luar de Ludwig von Beethoven, que durante anos tive a certeza de que ele conhecia as minhas sensações de frustração! Ele havia captado minhas emoções durante suas criações sob água gelada. Mas sei que tudo é loucura, pois só a loucura explica sensatamente as patologias dos nossos sentimentos.

Eu já estava resignado. Sim, resignado, pois há algo sublime na cafonice piegas digna de Falcão: O PRIMEIRO AMOR A GENTE NUNCA ESQUECE.

Pois é, resignado a conviver com as lembranças de Rosa, e também as lembranças de Rosa em Paulas, Marias, Cintias, Anas, Júlias, Gabrielas; quando num dia desses, fazendo compras no centro de Aparecida, tive uma visão que acreditei ser mediúnica: na calçada, envelhecida pelo tempo e pelas vicissitudes estava Rosa. Confesso que a principio achei que eram os efeitos do Sol, mas ela andou e quando cheguei perto olhamos um no outro e vimos que estávamos ali de novo.

Ela continuava com seu "Q" de musa, muito reduzido mas estava ali. E eu continuava na condição de príncipe sem sorte. Realmente sem sorte... Mas a certeza absoluta de que eu estava frente a frente com o meu maior anjo e meu maior demônio só veio quando reparei nos botões de seu camisete: Dois estavam abertos deixando levemente o sutiã meia-taça a mostra. O velho truque sedutor...

Apesar das miúdas rugas ao redor dos olhos pude ver no fundo de sua íris a luz que me fez lembrar da menina capaz de me provocar emoções e ereções pelo simples fato de respirar... Entretanto naquele momento me trazia apenas uma névoa do encantamento que outrora fora.

E veio uma contestação dúbia: meus hormônios foram substituídos por um sentimentalismo de canção sertaneja. E como sempre acontece quando alguma emoção me fere: fiquei catatônico e confuso.

Primeiro confundi o número do telefone de casa com o celular, e depois passei o número da faculdade onde sou professor. Meu Deus! Não sabia se abraçava, apertava as mãos ou dava um beijo no rosto...

Ela sorriu suavemente. Mas não era Rosa quem sorria, naquele momento era apenas a ex-colega de escola cumprindo sua função. Sorrir conforme o ensinado pelos pais, ou seja lá quem for... Parti, deixando para traz uma única certeza: foi melhor assim... Com Rosa minha vida teria sido outra... E ao reencontra-la tive coragem para enxergar que na vida também foram grandes romances aqueles que não aconteceram...

Voltei pra casa, pedi uma pizza e a devorei acompanhado por Bono Vox que cantava WITH OR WITHOUT YOU num DVD cheio de gritos e saudades... Parafraseando Umberto Eco, vocês não saberão o nome da Rosa, mas basta saber que ela influenciou toda a formação da maneira como encaro as quinquilharias do coração.

Rafael Paixão
Crônica Registrada